terça-feira, 4 de novembro de 2008

Um.

O dia nem tava tão bonito e ele nem tava tão disposto, mas levantara com vontade de andar. Pulou da cama sozinho, naturalmente, decidiu que não ia passar mais um domingo inteirinho sentindo cheiro de não ter dinheiro para arrumar a descarga do lavabo (há meses as dores de cabeça por essa descarga maldita!), ou ainda, que não ia passar o dia todo no sofá aumentando e diminuindo compassadamente o volume da televisão, a fim de poupar seus tímpanos do ensaio lírico da moça do andar de baixo, que francamente, de gostosa só tinha a bunda, porque a voz era mesmo uma desgraça.
Pois bem, domingão nublado e a ressaca moral, hm? pff, antes fosse, ele pensava, mil vezes dormir com a boca amarga seca de pinga e os cabelos ensebados, o enjôo, a culpa por ter feito sei-lá-o-que na noite anterior, mil vezes isso, tontura terrível terrível, mas ainda sim melhor seria, por ter feito alguma coisa. Mil vezes melhor. Preferia esse mal estar danado à monotonia de uma madrugada solitária de sábado, sou um bosta, que foi que fiz?, nada, ele pensava, fiquei aqui sóbrio e sozinho, amigos ele não tinha, nem punheta podia bater por faltarem as idéias, além do mais, estava sem ânimo, sem TV à cabo e com cãibra na mão esquerda. Puta merda, justo a esquerda. Arrebentara os dedos num esforço vão, coitado, quando tentava consertar a droga da descarga do lavabo, ai!, essa descarga, cara, tanto tempo que ela já tá estourada, mas como é que ela foi ficar daquele jeito? Olha, não sei, ele pensou, não-sei-não-quero-saber, só sei que o dia nem tá tão bonito e eu nem tô tão disposto, mas quero é dar o fora daqui. E foi.

(continua...)