Daí pra sobremesa me vieram com meia dúzia de um tipo de maçã que nunca vi tão redondo, doce docinho vermelhíssimo e perfeito, os dentes afundavam quase que sozinhos na fruta e dalí o momento era único, senti vontade de tirar uma foto ou levar alguma delas pra casa, mostrar pra minha mãe, deixar na fruteira, ou pra comer sozinha de gosto mais tarde. Mas me diz, por que é que senti vontade de guardar-te um pedaço também? O que é que tu tem a ver com a perfeição da fruta?
Tudo uma graça, aconchegante, bucólico, com cheiro de biblioteca. De novo: quis ter uma câmera. O tapete era colorido e a janela era grande, o céu lá fora tava bonito e cheio de estrela, tanta coisa bonita mesmo dentro da casa: a mesa, o piano, a escada caracol, a cozinha pequena e com cara de vó, até pano xadrês a mesa tinha, as maquetes inacabadas em cima do balcão, cara, janela em tudo quanto é canto - se bobear até no teto!, bonito bonito bonito. Cinematográfico; não precisei de mais nada. Mas ai, ainda não sei. Me diz, por que é que lembrei de ti a cada novo nome de artista que lia nas estantes? Que é que tu tem a ver com arquitetura e com madeira e com Ana Cristina Cesar? Fico puta, sabe. Momento lindo e você lá na prateleira. Me erra, meu.
Bom, contei até dez, né. Paramos de explorar a casa, sentamo-nos no tapete com as facas e as maçãs e, nossa: acabamos comentando curiosos sobre como os bamboos crescem rápido, cara, é inútil, mas é verdade, se a gente deixar eles acabam virando uns monstros e a gente nem percebe, a gente sempre deixa crescer esses monstros dentro do nosso próprio quintal e coração e cabeça - não é mesmo? Daí falou de coração e eu lembrei de você, ai, clichê batido, me explica isso também?, lembrei da cor da maçã, da cor do teu cabelo e enquanto eu pensava em tudo tinha gente no mundo falando, gente trepando, pescando, sei lá. E o bamboo crescendo, crescendo - dentro e fora de mim.
Louco.
A gente nunca faz nada pra impedir enquanto há tempo - e quando há tempo? Aposto que ninguém aqui sabe em que porra de estação do ano é época de bamboo, nossa, os bichos são loucos, você vai à rua de manhã e quando volta de noite já tem uns cinco de intrusos lá no jardim - já pensou? Cinco! Quando, na verdade, bastava só um. Ai, absurdo. E a gente ria daquilo e comia mais queijinho com vinho ou com água ou sei lá, ouvindo camille mazzy star death cab david bowie lou reed, e a gente se abraçava meio que sem motivo, vendo fotos antigas que nem eram nossas, rindo de momentos de mil novecentos e bolinha que não presenciamos, mas mesmo assim sentíamos vontade de chorar uma saudade, uma nostalgia por coisa que nem chegamos perto de viver, me diz, por que é que naquela hora quis te mostrar aquele album de foto?
(texto meu de 19/JAN/09)