Ao chegar em casa foi quase que automático o ato de me sentar pesada no sofá e tatear o telefone pela mesinha da sala, o DDD de São Paulo e os ensaios em voz quase alta das mesmas falas mecânicas de sempre, Oi Mari, tou morrendo, fala comigo?, ou Mari, cara, não to me contendo de empolgada, deixa eu te contar... mas hoje.
Hoje que me encontro neutra, anestesiada, meio grudada molhada abafada de chuva, abafada-de-tudo e incapaz de sentir qualquer coisa que não o peso dos meus próprios ombros que se curvam, hoje, que não tenho porra nenhuma pra mostrar, porra nenhuma de motivo pra ter ataques repentinos de riso na frente do computador - e que computador? estou sem internet! -, justo hoje que estou sem novidades ela meio que me adivinha e deixa de atender o telefone, de forma que as falas prontas de 'Mari isso', Mari aquilo', 'Mari que tédio', 'Mari que dor' se embolaram e entalaram aqui, em algum lugar aqui dentro, e puxa, é vazio, é desânimo, é insônia, é monotonia, é só uma pontinha de arrependimento por não ter tomado cerveja na casa da Alice, tudo isso entalado, é um amontoado de desimportâncias acumulativas, mas.
Mas é que às vezes, esse excesso de 'nada' começa a pesar. Daí já viu, né. Os acúmulos e as dores de cabeça, ai não, eu sozinha no quase-silêncio da noite rodeada por dores inventadas, digo 'quase' silêncio porque ainda me resta o canto importuno dos pernelongos que chega também 'quase' a ser melódico dentro dessa madrugada densa, puts.
Puts, denso mesmo foi aquele milkshake do McDonald's que eu tomei pouco antes de chegar em casa, pelo amor, caiu feito uma luva: apetite era o que não me faltava dentro daquela sala apertada da mostra de curtas, ah sim!, os curtas, CurtaMidia2008, a Mari que tanto gosta de cinema, taí um assunto pra ter tido com ela caso o telefone ela tivesse atendido, os curtas e as mãozinhas da Li na minha barriga que só faltou FALAR de fome, duas pessoas pra uma cadeira só e os peitos pernas e braços esmagados: desconforto que vale a pena se a gente for considerar o tiquinho de tempo que passamos juntas e o tanto de saudades que eu sinto quando estou sozinha em casa e penso olhando pro teto que poderia ter sido mais - 'mais' o quê?, não sei, aí é que está, é sempre tão pouco, sutil, tão insaciável o tempo que passamos juntas, ou tudo isso junto, igual diria o Caio: pouco-sutil-insaciável. É.
Parêntesis aqui: agora é o momento em que eu volto a cantar em pensamento aquele trecho da música cujo nome eu sempre me esqueço (ou não sei escrever, ou tenho preguiça de tentar escrever, enfim...), do Le Tigre: there's no time for me to act mature, the only words i know are 'more' and 'more' and 'more'... to you, i wanna say you're my thing...
Fato: de vez em quando eu tenho vontade de ter alguma coisa ou alguém pra chamar de 'my thing', mas não consigo. As pessoas encostam em mim e eu simplesmente finjo que não é comigo, ou finjo que preciso ir, ou finjo que estou menstruada, oi?, coisa de menina assim, desculpinha pra poder ficar sozinha. Voltando à chuva e ao insaciável.
Talvez seja essa uma das milhares de causas do vazio e dos pensamentos que me impedem de dormir um sono normal, são duas, três, cem mil vozes na minha cabeça, uma querendo superar o tom da outra, uma fria fria dura auto-suficiente e sem coração, e outra toda melosinha e vermezinha, outra ainda que só fala besteira mas todas querendo sobressair em razão, e pronto, quando vejo é uma gritaria de enlouquecer qualquer um, sleep tight sweetheart, é o que ela diria se ainda estivesse aqui entre nós, e dorme mesmo, viu, que amanhã tem dentista e o moço vem cedo aí instalar os cabos e fazer barulho - férias pra quê, né?
Vai moço, porfavorzinho, desliga essa sua britadeira-pelo-amor-de-Deus, já posso até imaginar. Sofrimento antecipado, claro. São quase 3h da manhã, isso significa que eu vou ter no máximo umas três ou quatro horas de sono, sem contar as vezes que eu vou acordar pra anotar alguma coisa ou pra ir ao banheiro e arrancar pelinhos do braço com a pinça, ai, que doente!, mas talvez eu simplesmente me sente no chão frio e, bom. Do resto vocês já sabem. São quase 3h da manhã e eu ainda posso ouvir a risada de hiena das minhas tias adoráveis, ai, não me bastavam os pernelongos, tenho agora sapos e tias e britadeiras e estômagos vazios, tive também o som de respirações juntas abafadas descompassadas e corações... corações o quê?, não sei, corações batendo, ué, dentro ou fora do ritmo mas sempre tão soltos um do outro, aquele 'pouco-sutil-insaciável' - só eu que o percebo? Som, som, som; é esse o conjunto de barulhos abafados-de-tudo que se faz responsável pelo meu não-sono. Pronto, concluído. Estalar de dedos e colunas vertebrais, ufa.
Mas não. Passa de 3h da manhã e minhas meias ainda estão molhadas, é isso. Taí o meu problema e eu só fui lembrar que sou fresca agora. Caso encerrado: boa noite a todos, pois.