terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Tarde aprendi,
é dar a alma como lavada.
não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
que significa isso?
há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
discursos detonam.
não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
no entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Para alguma Rafaela.
-O que eu disse a elas, Rafa, não foi nada demais. Não tem que ficar nervosa comigo. Nós apenas nos sentamos tranqüilas na mesa e ninguém precisou metralhar perguntas, as respostas vinham quase que naturalmente e dessa forma a coisa fluia, plim!
-Hm. Quase que naturalmente.
-É! Embora...
-'Embora' o quê?
-Embora, penso agora, respostas talvez viessem sutilmente empurradas por aquela necessidade de sermos sempre-muito-sinceras-de-todo-o-coração-uma-com-a-outra, manja?, não entendo muito, juro que nunca entendi mas ainda acho isso bem legal!, ou ainda, sutilmente empurradas guéla-afora a cada golada de cerveja, hehe, é isso!, verbalmente nós vomitávamos verdades, sabe, mas é porque estávamos felizes, pronto.
-Aham, to vendo que você tá bem feliz.
-Pois é, tô ótima, nós falamos mesmo sem parar, mas claro, não com toda aquela brutalidade ignorante de um vômito, até porque não temos mais a idade que tinhamos e estávamos entre amigas, maduras, civilizadas, cansadas, lésbicas, sem forças, saturadas do trabalho, da chuva borrando a maquilagem fraca dos olhos, enjoadíssimas de conflitozinho familiar, ora, não tinhamos mais tempo, saco, vontade ou motivo para sermos agressivas e esquentarmos a cabeça com bobagenzinha de ciúmes e relacionamentos amorosos no geral, que é isso, gente. Até porque esse assunto é meu e seu e de mais ninguém, e você sabe o tanto que eu te respeito, não sabe? Eu jamais te envolveria a toa, faça-me o favor... estávamos no bar, e quem pede mais uma gelada é porque não quer saber de problema. Conversávamos amigáveis, pois. Me vê o isqueiro, amor?
-Hm. Tá do seu lado. E o que mais vocês conversaram?
-Nada, Rafinha. Foi isso.
-Tá. E aquilo lá que você disse...
-E aquilo que eu disse, Rafa? Tudo o que eu disse a elas foi que talvez ninguém no mundo te veja como eu vejo. Egoísmo da minha parte ou não, sempre vou achar que isso é verdade. Ninguém no mundo, Rafa.
-Hm. Por que você acha isso?
-Ah, Rafa... Amanhã nós duas trabalhamos e meus olhos estão pesados, não vamos entrar numas de 'por que', pelo amor.
-Ah, mas vamos, viu. 'Pelo amor'. Por que você acha isso?
-Ai. Tá certo, todo mundo te ama igual, todo mundo te quer bem igual, todo mundo te defende e se preocupa igual e o caralho, você sabe disso, você tá sempre cheia de gente. Mas eu tô falando aqui é de ponto de vista, percebe? Ninguém vê em você as coisas que eu vejo. Todo mundo acha que você quer chamar atenção, mas eu sei que não é isso, tá legal? Eu sei... que não é isso... - bocejando - não basta eu saber?
-Na verdade, hm, não. E o que me deixa mais fudida é que você, minha namorada, não me defende direito nessas horas. Sei lá, você entra na onda das meninas, fazendo piadinhas e tudo mais.
-Rafa...
-Você é legal demais com todo mundo, isso é que me irrita, e.
-Rafa...
-...porque eu acabo sendo a chata sempre, percebe? A chata que quer atenção, e.
-RAFA.
-Nossa, como eu odeio esse seu tom. Fala.
-Eu estou morrendo de sono, acabei de ser quase assaltada, minha mãe está doente, meu dia foi uma droga e você não me perguntou sobre nada disso, você não liga se eu só queria dormir um pouco, mas agora senta aí e me escuta até o fim.
-Sim senhora.
-Se me perguntarem, Rafa. Só se me perguntarem, eu vou dizer que você é uma mulher linda e incrível e autêntica, e que eu sempre me senti um bebezinho, uma menina boba ao seu lado, mas que seus sentimentos e tudo mais são na maioria das vezes de criança, quero dizer, você sente as coisas feito adolescente, e.
-Hm. Então eu não sou emocionalmente madura, equilibrada como o resto das meninas e.
-Espera. Feito adolescente e eu não te culpo, muito pelo contrário: eu acho que isso é lindo e que isso é incrível porque ninguém nessa vida tem as mesmas percepções do mundo que você tem, tipo, ninguém, entendeu? E entender pelo menos um pouquinho do que se passa nessa sua cabeça já me desarma totalmente, eu fico besta feito um moleque, daí eu volto a ser a menina boba e pequena perto da mulher complexada e encanada e estouradinha que eu amo. Pronto.
-Pronto?
-Haha, porra, acabei de encher sua bola. Vai dormir, vai.
-Hm. Menininha.
-É que... ai, Rafa.
-Eu to brincando, boba. Só queria ouvir mais.
-Eu sei, é que pra mim esse assunto não é brincadeira. E tem mais, sim, tem muito mais, tem aquele lance dos ciúmes e da crise de idade. Você não sabe o quanto me desespera não poder te entender totalmente. Aliás, você tomou seu remédio? Enfim, deixa pra lá, passa de duas da manhã e... ah, você é linda.
-Você também. Desculpa ter desconfiado tanto.
-Tá, esquece isso, você é linda, você tocou num assunto deveras delicado, você é linda mas me arranca um pedaço cada vez que chora, ou surta sozinha, ou enche a cara, ou até quando faz aquelas coisas lá. Sei lá, Rafa. Vai dormir, vou ficar aqui um pouco.
-Na janela? Tá frio. Vem comigo.
-É, na janela, preciso acabar esse masso. Não se preocupa comigo.
-Tá bom, a gente conversa outra hora e você me explica essas suas piras...
-Não tem pira, não tem nada. Boa noite, te amo muito.
-Claro que tem, você que nunca me conta! Daí fica aí, surtando sozinha! Porra, acha isso legal?
-Você não precisa entender as minhas 'piras'. A única coisa que eu preciso é que você fique bem, como se fazer isso acontecer fosse minha função, sabe? Um anjo da guarda, sei lá. Meio sem motivo mesmo. Você não precisa entender.
-Tá, mas será que você não percebe que às vezes eu preciso, sim? Porque moramos juntas há quase um ano, só por isso, sabe. E eu nunca sei o que fazer por você e acabo sendo 'a cuzona acomodada'. Não é justo.
- 'Justo', meu. Sei lá o que é justo. Só preciso que você me abrace forte quando eu chego em casa e pergunte do meu dia. Coisinhas assim. Juro que não peço mais que isso. Agora dorme, vai. Te amo muito.
-Aham. Também.
domingo, 14 de dezembro de 2008
Som da Insônia
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Aquele 'pouco-sutil-insaciável'.
Hoje que me encontro neutra, anestesiada, meio grudada molhada abafada de chuva, abafada-de-tudo e incapaz de sentir qualquer coisa que não o peso dos meus próprios ombros que se curvam, hoje, que não tenho porra nenhuma pra mostrar, porra nenhuma de motivo pra ter ataques repentinos de riso na frente do computador - e que computador? estou sem internet! -, justo hoje que estou sem novidades ela meio que me adivinha e deixa de atender o telefone, de forma que as falas prontas de 'Mari isso', Mari aquilo', 'Mari que tédio', 'Mari que dor' se embolaram e entalaram aqui, em algum lugar aqui dentro, e puxa, é vazio, é desânimo, é insônia, é monotonia, é só uma pontinha de arrependimento por não ter tomado cerveja na casa da Alice, tudo isso entalado, é um amontoado de desimportâncias acumulativas, mas.
Mas é que às vezes, esse excesso de 'nada' começa a pesar. Daí já viu, né. Os acúmulos e as dores de cabeça, ai não, eu sozinha no quase-silêncio da noite rodeada por dores inventadas, digo 'quase' silêncio porque ainda me resta o canto importuno dos pernelongos que chega também 'quase' a ser melódico dentro dessa madrugada densa, puts.
Puts, denso mesmo foi aquele milkshake do McDonald's que eu tomei pouco antes de chegar em casa, pelo amor, caiu feito uma luva: apetite era o que não me faltava dentro daquela sala apertada da mostra de curtas, ah sim!, os curtas, CurtaMidia2008, a Mari que tanto gosta de cinema, taí um assunto pra ter tido com ela caso o telefone ela tivesse atendido, os curtas e as mãozinhas da Li na minha barriga que só faltou FALAR de fome, duas pessoas pra uma cadeira só e os peitos pernas e braços esmagados: desconforto que vale a pena se a gente for considerar o tiquinho de tempo que passamos juntas e o tanto de saudades que eu sinto quando estou sozinha em casa e penso olhando pro teto que poderia ter sido mais - 'mais' o quê?, não sei, aí é que está, é sempre tão pouco, sutil, tão insaciável o tempo que passamos juntas, ou tudo isso junto, igual diria o Caio: pouco-sutil-insaciável. É.
Parêntesis aqui: agora é o momento em que eu volto a cantar em pensamento aquele trecho da música cujo nome eu sempre me esqueço (ou não sei escrever, ou tenho preguiça de tentar escrever, enfim...), do Le Tigre: there's no time for me to act mature, the only words i know are 'more' and 'more' and 'more'... to you, i wanna say you're my thing...
Fato: de vez em quando eu tenho vontade de ter alguma coisa ou alguém pra chamar de 'my thing', mas não consigo. As pessoas encostam em mim e eu simplesmente finjo que não é comigo, ou finjo que preciso ir, ou finjo que estou menstruada, oi?, coisa de menina assim, desculpinha pra poder ficar sozinha. Voltando à chuva e ao insaciável.
Talvez seja essa uma das milhares de causas do vazio e dos pensamentos que me impedem de dormir um sono normal, são duas, três, cem mil vozes na minha cabeça, uma querendo superar o tom da outra, uma fria fria dura auto-suficiente e sem coração, e outra toda melosinha e vermezinha, outra ainda que só fala besteira mas todas querendo sobressair em razão, e pronto, quando vejo é uma gritaria de enlouquecer qualquer um, sleep tight sweetheart, é o que ela diria se ainda estivesse aqui entre nós, e dorme mesmo, viu, que amanhã tem dentista e o moço vem cedo aí instalar os cabos e fazer barulho - férias pra quê, né?
Vai moço, porfavorzinho, desliga essa sua britadeira-pelo-amor-de-Deus, já posso até imaginar. Sofrimento antecipado, claro. São quase 3h da manhã, isso significa que eu vou ter no máximo umas três ou quatro horas de sono, sem contar as vezes que eu vou acordar pra anotar alguma coisa ou pra ir ao banheiro e arrancar pelinhos do braço com a pinça, ai, que doente!, mas talvez eu simplesmente me sente no chão frio e, bom. Do resto vocês já sabem. São quase 3h da manhã e eu ainda posso ouvir a risada de hiena das minhas tias adoráveis, ai, não me bastavam os pernelongos, tenho agora sapos e tias e britadeiras e estômagos vazios, tive também o som de respirações juntas abafadas descompassadas e corações... corações o quê?, não sei, corações batendo, ué, dentro ou fora do ritmo mas sempre tão soltos um do outro, aquele 'pouco-sutil-insaciável' - só eu que o percebo? Som, som, som; é esse o conjunto de barulhos abafados-de-tudo que se faz responsável pelo meu não-sono. Pronto, concluído. Estalar de dedos e colunas vertebrais, ufa.
Mas não. Passa de 3h da manhã e minhas meias ainda estão molhadas, é isso. Taí o meu problema e eu só fui lembrar que sou fresca agora. Caso encerrado: boa noite a todos, pois.
domingo, 7 de dezembro de 2008
colorido-dolorido.
mas tudo bem, já foi. e afinal, a gente escreve pra quê?
'nasceu poeta, coitada', era o que eles diziam. sabe, eu percebi que poeta só se fode porque é incompreendido. 'ó, tadinho', consigo até ver suas caras irônicas fazendo esse comentário, mas eu não to brincando não. é incompreendido, sim senhor. um palhaço, né. ele sente as dores do mundo e coloca no papel, daí quem lê o trabalho do poeta pode até se identificar, do tipo porra, o cara sabe o que faz, hein? maluco, escreve bem, tal, gostei das palavras!, mas não. estando na pele, é outra coisa. ninguém vai estar na pele do poeta enquanto ele absorve as dores da vida, nunca. e é por isso, menina. é por isso que eu não digo 'eu te amo' sempre, é por isso que depois de todos os seus discursos o máximo que eu consigo fazer é te dar um abraço forte com aquele sorriso de canto, que não chega aos pés do seu, nunca. e ninguém. ninguém vai estar na pele do poeta na hora que eu te abraçar, ninguém no mundo sabe o que o seu sorriso colorido-dolorido significa pra mim, não há texto que descreva, escrever pra quê então, meu deus?
pois bem. então se meu computador é louco e resolveu desligar bem na hora que eu consegui cavar um buraco bem fundo nas minhas dores de forma a buscar nelas a essência de tudo, buscar palavras dignas o bastante pra descrever o que significa deitar no tapete e ouvir Cat Power e morrer um pouquinho a cada compasso e a cada gemidinho da Chan, ele, o computador, fez certo. porque qualquer um, qualquer desmiolado apaixonado feito eu que lesse e se identificasse com aquela besteira toda talvez pudesse ter uma idéia vaga de como eu me sinto, sim, mas nunca. a dor é minha é de mais ninguém, nunca ninguém vai tê-la como eu tenho, então escrever pra quê? publicar em um blog, um blog escondido que ninguém lê, pra quê, meu deus?
bando de folgados. as mãos trêmulas, o cérebro dormente, o poeta desnutrido se deita exausto depois de completar sua obra como quem acaba de ter um orgasmo, isso, um orgasmo narrativo, e vocês leitores absorvem tudo e exigem, e criticam, e choram em cima, e sentem-se no direito de se dizerem tão sentimentais quanto quem os escreveu, com aquela velha frase 'de poeta e louco todo mundo tem um pouco', quando na verdade tudo o que vocês absorvem é a imagem da dor e não a dor em si, uma fotografia, palmas!, resta-lhes a imagem do intocável, e vocês exigem, e criticam, e mijam em cima dela, sei lá, vocês leitores são todos sujos marginais e não percebem isso, não percebem que o poeta só quer ser puro, um mensageiro, um tradutor pra cada grito humano de agonia e...
ai, cansei. cansei de ser poeta. cansei do meu computador, cansei de estar com a mesma roupa desde que eu acordei, sendo que já passa de nove da noite. que absurdo, não? as férias chegam e a gente fica porco. agora eu também quero ser leitor e também quero criticar e criar caso por qualquer coisinha, ó, eu acho um absurdo!, essa gente que não toma banho! acho um absurdo mas não movo músculo algum a respeito, aliás, o desconforto que sinto é problema meu e de mais ninguém. assim como as dores. as dores do mundo estão lá fora, e a dor que está aqui dentro é problema meu e de mais ninguém. ninguém.
eu estou ouvindo 'No Sense' sem parar, ia até postar um trecho aqui que ironicamente me tem feito todo o sentido do mundo, mas cansei da lingua inglesa, também. acho que vou pra Rússia no lugar de ir pro Canadá, o que acham? não, não... besteira. não sei.
de qualquer modo: ouçam a música e procurem a letra no google, leitores preguiçosos.
vou tomar um banho, quem sabe dessa forma esse poeta chato não se dissolve em sujeira e escorre pelo ralo, feito coração de menina besta, uh-hum, vou matar o poeta em mim, mas vocês não precisam seguir o mesmo exemplo, se não quiserem. Good Bye. Ou, melhor dizendo: Au Revoir!